A lampreia é proibida em algumas civilizações. Aos judeus está vedado o seu consumo, de acordo com a sua crença, por não ter escamas. Assim, os que professam o judaísmo não têm o privilégio de outras civilizações: era gula de romanos e premissa de reis e monges.
Manjar delicado e preferido do bom gourmet, é pitéu de temperado: não é peixe nem é carne, ou se adora ou se odeia. Os gregos chamavam à lampreia “petromyzon”, que vem a significar “chupa pedras”. Já os romanos chamavam-lhe “lampetro”, e tinham bem abastecidos os seus viveiros (era famoso o de Cayo Hirtius cujas lampreias se consumiam nos banquetes para celebrar as vitórias de César).
A uma indigestão de lampreia se culpa a morte de Henrique I, rei de Inglaterra. E nem por isso os Ingleses ficaram escarmentados. As lampreias que sobem o rio Severn; o Támesis, está considerado, entre eles, como um prato de tal forma delicioso que, na coroação da rainha Isabel II, a 4 de Fevereiro de 1953, no almoço oferecido aos convidados foi servido como entrada um pastel de lampreia. Aliás, ainda hoje, na vila de Gloncester, existe ainda o costume de oferecer à rainha um pastel de lampreia no Natal
Também aos franceses não lhes era, nem é, indiferente. O rei Luís IX era, por exemplo, um grande apreciador de lampreia. Abastecia-se de lampreias directamente de Bordéus, em barricas com água do rio para as manter vivas, a fim de saciar a sua corte de tal iguaria.
Já no Condado Portucalense Dona Teresa, mãe do nosso primeiro rei, D. Afonso Henriques, concede em 1125 ao Arcebispado de Tui, em relação ao Rio Minho, o privilégio que a montante da Torre de Lapela lampreia aí apresada era pertença do Arcebispado, para abastecer conventos e mosteiros, nos jejuns quaresmais. Não estranha, por isso, que com tais privilégios daí saíram as melhores receitas.
A Imprensa Nacional Casa da Moeda editou, em 1987, o “Livro de Cozinha da Infanta D. Maria” de Portugal. A obra foi encontrada num manuscrito, I.E.33 da Biblioteca Nacional de Nápoles, datado do século XVI; sendo aí referida uma receita de lampreia onde, curiosamente, apenas se indica a forma de a temperar. Também editado pela Imprensa Nacional, o livro sobre a arte de comer em Portugal na idade média faz referência a uma receita de lampreia cozinhada com canela.
A lampreia à bordalesa deriva da região de Bordéus. Em Portugal a lampreia à bordalesa é uma das formas de preparação mais comum, no entanto, nada tem a ver com a receita original de Bordéus (e que é cozinhada de uma forma completamente diferente da utilizada não só em Portugal como em Espanha). A receita da lampreia à bordalesa de Bordéus é cozinhada com pedaços de alho francês e cogumelos que, com pão tostado, lhe servem de guarnição, à parte de ser confeccionada com vinho de Bordéus encorpado como manda a receita.
UMA RECEITA PARA O ARROZ DE LAMPREIA
1 Lampreia
3 Cebolas grandes
1 dl de azeite extra virgem
2 Dentes de alho
2 Alho francês
1 Ramo de salsa
1 Folha de louro
1 Raspa de noz-moscada
1 Cravo-da-índia
6 Voltas com o moinho de pimenta preta
1 Lt de bom caldo de carne
20 cl. de vinho do porto Vintage, de preferência da última colheita que esteja no mercado
50 cl. de vinho tinto
400 gr de arroz carolino
O sal deve ser controlado a preceito. Não devemos esquecer que 80% do vinho é água, os restantes 20% são componentes minerais. Como tal, quando cozinhamos com vinho, a adição de sal deve ser menor.
Depois de amanhada a lampreia, corta-se em postas regulares, aproveitando o sangue emulsionado com um pouco de vinho , que devemos guardar numa tigela para o toque final. Colocam-se as postas da lampreia a marinar, adicionando-lhe o vinho, os dentes de alho, e a salsa (tudo bem picado), o louro quebrado, a pimenta, o cravo e a noz-moscada, e uma pitada de sal, durante 6 horas.
Num tacho, faz-se um refogado com o azeite e a cebola cortada em dados, não muito puxado. Quando a cebola ganhar um pouco de cor, juntam-se-lhe as postas da lampreia e deixamos refogar durante cerca de 10 minutos em lume médio. De seguida, junta-se o que ficou da marinada, devendo continuar a refogar também em lume médio, durante mais 10 minutos. Junta-se, então, o vinho da marinada e aumenta-se um pouco a potência do fogo.
Verifica-se se a lampreia está cozida e retiramo-la, deixando o restante reduzir, em fogo brando, cerca de 30 minutos. Retiramos do fogo e trituramos com a varinha eléctrica até obtermos uma solução cremosa. De seguida, adicionamos a quantidade de caldo de carne previamente aquecido necessária para a cozedura do arroz. Quando levantar fervura, adiciona-se o arroz e faz-se correcção de sal. A meia cozedura do arroz junta-se o sangue da lampreia. Quando o arroz estiver cozido junta-se então a lampreia e serve-se de seguida, com calda abundante.